TRÊS LIVROS DE ANTONY BOUDAIN
Cozinha confidencial, Em busca do prato perfeito e Maus bocados
são três livros de Anthony Bourdain, chef da brasserie novaiorquina Les
Halles e responsável por um programa de TV que o mostra viajando pelo
mundo e comendo de tudo. Em resumo, o emprego que todos gostaríamos de
ter.
Li os livros tardiamente e fora de ordem. Comecei por Maus bocados, de 2006, prossegui com Cozinha confidencial (2000) e fechei com Em busca do prato perfeito, de 2001. As edições brasileiras dos três saíram com pequenos atrasos em relação às originais.
Cozinha confidencial
provocou um terremoto na imprensa quando foi lançado, chamou atenção
para seu autor e provocou polêmica. Tem forte entonação autobiográfica e
mostra a trajetória de Bourdain, menino malcriado que, ao provar uma
ostra, descobriu que comida é bom, pode até ser mágico.
Da
infância aos primeiros empregos e às primeiras experiências de vida de
fato vivida: lavar louça, ganhar uns trocados, buscar mulheres,
cigarros, bebidas e drogas. Tudo em grandes proporções. Depois, começar a
cozinhar um pouco para ganhar mais trocados, buscar mais mulheres, mais
cigarros, mais bebidas e mais drogas. Em proporções maiores.
Assim
seguiu até o enredamento no mundo da gastronomia, a passagem, já como
chef, por vários restaurantes (bons, médios, horríveis ou muito bons), a
descrição de personagens incríveis do mundo gastronômico de Nova York
e, claro, mulheres, cigarro, bebidas e drogas. Sobrou uma internação
para se livrar da heroína e um consistente vício de cocaína. Nunca
abandonou o cigarro – de qualquer cor, cheiro ou recheio. Muito menos a
cerveja e a vodca, consumida maciçamente. Sobreviveu.
O que mais atraiu a imprensa e os leitores em Cozinha confidencial,
porém, não foi sua vida junkie e meio bandida. Foi o relato cru de
algumas práticas de restaurantes: do reaproveitamento ininterrupto de
restos de mesas à assustadora montagem de um bufê, dos mecanismos
mafiosos de fornecimento de ingredientes ao perigo de comer peixe numa
segunda-feira. Deu o que falar – e o que temer. Ainda mais depois que
outros chefs confirmaram, com o cuidado de relativizar uma coisa ou
outra, o que Bourdain contara.
Em busca do prato perfeito
já trouxe um Bourdain bem conhecido, que aceita participar de um
programa da Food Network. Passa, então, a viajar pelo mundo,
teoricamente com o objetivo indicado no título, e a descrever o que come
e onde come. Os relatos assumem, cá e lá, entonação antropológica. Não
se fala apenas de comida, mas da comida no seu contexto – que, na
prática, quer dizer comida de verdade. Ele mostra os horrores (não
apenas alimentares) do Cambodja, come o melhor sushi de sua vida no
Japão (no sistema antigo, com arroz quente e os grãos de cada peça
calculados) e descreve o fascinante e aterrorizante ritual de matar um
porco (e de aproveitá-lo integralmente) em Portugal. Lembra o prazer da
limitada (no número de pratos) e ilimitada (nos sabores e nos preparos)
comida marroquina e dos miúdos ingleses. Também conta quão desagradável
pode ser comer uma iguana no México, país de onde afirma saírem quase
todos os bons cozinheiros novaiorquinos. E a maravilha de comer uma
cobra inteira (do sangue aos ossos) no Vietnã.
O
Vietnã, aliás, é o personagem principal do livro, descrito em mais de
um capítulo. O Vietnã que resistiu a inúmeros invasores e manteve o
orgulho. O Vietnã dos frutos do mar incomparáveis no frescor e no sabor.
O Vietnã de frutas que nos fazem salivar sobre as páginas do livro.
Maus bocados, de alguma maneira, retomou a toada de Em busca do prato perfeito.
É, porém, menos interessante e mais repetitivo. Mantém a antropologia
acidental e, com ela, produz seus melhores textos. Sua descrição de São
Paulo, por exemplo, denota uma afiada agulha dos sentidos. Mas Bourdain é
sempre melhor quando fala de comida. Até para que esqueçamos sua fraca
ficção, ensaiada na parte final do livro e em outras obras. Ou para
evitar que o personagem que criou desde Cozinha confidencial – espécie de outsider
gastronômico, mas que é chef de um restaurante na Park Avenue – não se
torne apenas caricato ou populista, com sua celebração do mundo bandido
de Nova York e a defesa, à la anos 60, de que o tripé
álcool-drogas-rock-and-roll é libertador.
De
qualquer forma, vale a leitura dos três livros. Se for fora de ordem,
começando pelo último e menos interessante, melhor. No mínimo,
descobre-se muita coisa sobre o mundo que nos rodeia, o chão que pisamos
e, mais importante, ganham-se mais argumentos na recusa do que há de
pior no mundo das comidas e inimigo mortal de Bourdain: o
vegetarianismo.
Anthony Bourdain. Cozinha confidencial. São Paulo: Companhia das Letras, 2001 (original: 2000; tradução: Beth Vieira)
Anthony Bourdain. Em busca do prato perfeito. São Paulo: Companhia das Letras, 2003 (original: 2001; tradução: Luiz Horta)
Anthony Bourdain. Maus bocados. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 (original: 2006; tradução: Celso Paciornik)
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